Canadá – dia #0 – O dia da Viagem


Vou tentar nesses relatos mostrar um pouco das nossas peripécias no Canadá. Nossas porque seremos eu, minha esposa e meu cachorro. Este merece um tópico à parte, futuramente.

Não sei se todos sabem mas vamos passar quatro anos em Edmonton, na província canadense de Alberta, um dos lugares mais gelados do planeta. Tudo por causa de um Doutorado que resolvi, depois de anos de incentivo dentro da minha empresa.

Também não vou entrar em detalhes de todo o processo até conseguir, tanto a aprovação na Universidade de Alberta, quanto pela minha empresa. Só posso dizer que a data marcada para a viagem, 04 de Março de 2015, foi acertada com bastante antecedência, no início de Janeiro.

Apesar desta antecedência, a aprovação da viagem pela empresa só foi feita um pouco mais de 30 horas antes. Ou seja, até então, eu tinha que me desfazer de um apartamento de 3 quartos no Rio de Janeiro, um carro, uma vida no Brasil, sem mesmo ter a certeza que iria viajar.

Pois bem, após a confirmação da viagem, que só aconteceu após uma negociação muito estressante entre diretores e gerentes (palavras do meu gerente imediato, dando a entender, nas entrelinhas, que a culpa era minha por querer viajar em 2015 e não em 2014), chegou o tão aguardado 4 de Março! Talvez o dia mais tenso da minha vida. Sem exageros!

No dia do embarque tive que ir a empresa para duas coisas: fazer um surreal exame médico pré-viagem e pegar o dinheiro que levaria inicialmente para me estabelecer no Canadá. E não foi pouca coisa: 18 mil dólares em dinheiro vivo!!!

Em relação ao exame médico, que poderia ter sido feito bem antes, “sistema” só permitia a marcação após a aprovação da viagem. Como foi aprovada de véspera, já viu, né? Mas parece que é só para constar mesmo. Uma enfermeira tira a temperatura, a pressão, mede o peso e altura e a circunferência abdominal. Depois um médico pergunta se está tudo bem, se sinto alguma dor, e ainda deu uma olhada por cima no meu exame de sangue que nem havia sido pedido, mas levei por ser bem recente. Falando assim, parece que tudo foi tranquilo. O problema foi que parecia que a equipe envolvida estava fazendo aquilo pela primeira vez ou que eu era o primeiro funcionário a sair em viagem de longa duração. Enfim, fui considerado “apto” para viajar!

Já a liberação do dinheiro foi muito mais complexa. Com a aprovação feita apenas na véspera, quando fui ao banco buscar minha bolada, claro que o pedido ainda não havia chegado à agência. Na segunda tentativa, após minha secretária ter que ligar para alguns contatos, retornei ao banco e o pedido havia chegado. Mas a cara da funcionária mostrava que ainda não seria daquela vez. Não havia saldo suficiente na conta da empresa e eu ainda não poderia levar o dinheiro. Deveria esperar mais um pouco. Mais meia hora, finalmente consegui sair da agência com o dinheiro, em dois envelopes. Coisa de louco andar com tanto dinheiro em mãos.

 Isso porque não contei o que fazia entre uma ida ao banco e outra. Tinha que resolver o contrato do aluguel do apartamento, a burocracia da viagem do cachorro e o cancelamento de algumas coisas em casa, como a NET, por exemplo. A NET até foi fácil, dado o argumento que estava me mudando para o exterior. O problema foi no final, quando a atendente disse que o sinal poderia ser cortado em até 1 hora. Quando minha esposa soube, a primeira coisa que me disse foi se eu não poderia marcar o cancelamento para as 15 horas. Respondi apenas com um seco “Não”. Descobri também que estava sem linha de celular, cancelado no dia anterior, mas que pensei que teria 24 horas antes do apagão.

Já sem celular e com medo de chegar em casa e ficar sem internet, tentei adiantar tudo que poderia no escritório. Após despedidas de alguns amigos, consegui ir para casa.

Tivemos que praticar a arte do desapego! Não sei se calculamos mal o tanto de coisas guardadas, se acumulamos muita tralha nesses anos ou as duas coisas. Mas a verdade é que para onde olhássemos, sempre havia coisas. Levar ou não levar? Que dúvida! No final, no desespero, deixamos coisas que, com mais tempo e organização, poderíamos ter levado. Por outro lado, minha esposa disse que se arrependeu de ter colocado na mala (nas malas, na verdade) minha 20 camisas do Palmeiras!!!

Nesse meio tempo ainda rolou um stress com a imobiliária, que não mandava os documentos via email. Quando chegou, tive que sair para imprimir (já não tinha mais impressora), assinar e deixar para eles pegarem nos próximos dias, junto com a chave do apartamento. Também fui buscar um casado na lavanderia, que pode ajudar contra o frio que me espera.

 E o momento mais triste foi quando a moça veio buscar Moustache, nosso Schnauzer. Ele passaria a noite com ela, que ficou responsável em levá-lo ao aeroporto na quinta-feira, entregando a um despachante encarregado da burocracia e do transporte do bichinho. Minha mulher, ao descer e entregar Moustache, desabou em lágrimas. Como alguém tem que ser forte nessas horas, eu me mantive firme. Mas ele querendo sair do colo da moça e querer vir para mim, quase me derrubou. Espero que dê tudo certo na viagem dele. Essa é a nossa maior preocupação.

 Voltando ao apartamento, fechamos 7 volumes, entre malas, bolsas, mochilas e sacolas. Isso porque sugeri comprar uma mala grande no dia da viagem. Se não fosse isso, não sei como seria!

Quem entrar lá vai imaginar um cenário de The Walking Dead, pois parece que abandonamos o local correndo (foi mais ou menos isso), tamanha a quantidade de coisas que foram deixadas para trás. Combinamos com a nossa empregada, que ficou de passar por lá e pegará com o que quiser, entre camas (3), geladeira, máquina de lavar, microondas, roupas, sapatos, mesas e cadeiras… e lixo, muito lixo! Foi uma vida que ficou para trás!

 O táxi, pedido para as 17 horas, não chegou (obrigado Cooparioca, de novo)! Às 17:20 descemos com a bagagem, nos despedimos dos porteiros (sem antes deixar 4 pacotes, um com os aparelhos da Net, outros dois para dois amigos retirarem e os documentos da imobiliária, junto com as chaves) e tentamos parar um taxi na sorte. Foi relativamente rápido. O carro era grande e o motorista foi cuidadoso ao colocar tanta bagagem no carro. Mas sair do Flamengo em direção ao Galeão, no fim de tarde carioca, sempre foi uma aventura. Com o voo marcado para as 20:45, é aconselhável chegar ao aeroporto com 3 horas de antecedência. Após muito engarrafamento e muitas bufadas minhas no táxi, chegamos ao Galeão com 2 horas antes do voo.

Até encontrar a companhia aérea (AirCanada) e descobrir o óbvio: teríamos que pagar excesso de bagagem. Foram 3 volumes de excesso, $100,00 por volume, que tive que pagar em Real. Vai entender! Eles cobram em Obamas e eu tenho que pagar em Dilmas. No fim, a brincadeira ficou em R$ 870,00!

Bom, malas despachadas, ainda tínhamos 1 hora antes do embarque. Como estávamos sem comer desde a manhã (descobri depois que minha mulher não havia nem tomado o café da manhã), o sensato era comer alguma coisa. Mas fomos orientados a declarar quantidade enorme de dinheiro que estava levando. E aí acho que tive a única ideia sensata do dia (ou da semana, do mês, não sei). Disse para minha mulher ir para a sala de embarque que eu iria atrás da Polícia Federal fazer a declaração. Assim carregávamos menos bagagem de mão (cada um tinha dois volumes, mais dois casacos) e a movimentação ficava mais fácil. Fui atrás da bendita declaração de saída de dinheiro do país. E aí começou minha tortura. Primeiro o zíper de uma das mochilas, a que tinha 3 laptops (isso mesmo), quebrou. A parte dos laptops ficou aberta e eu comecei a carregar a cochila como se fosse um saco de cimento. Depois, descobri que a declaração era feita no Terminal 1. Claro que estava no Terminal 2. Tive que ir até lá. Mas o Universo conspirou a favor e um carrinho elétrico passou, me oferecendo carona. Ao chegar à PF e dizer que queria declarar a saída de 18 mil dólares, a pergunta do agente me desmontou. Precisava de alguma declaração, documento, papel, dizendo como eu adquiri os dólares! E eu não tinha nada. Comecei a ficar desesperado em não poder declarar e perder o horário do embarque. Disse que tinha um email da empresa dizendo que eu poderia retirar o dinheiro no banco. Ele disse que servia, era só imprimir este email. Só isso!!!! Só que o email da empresa estava num Iphone, sem sinal e sem Wifi. Ele me ofereceu o computador dele mas quem disse que eu conseguia acessar meu email de trabalho de fora? Para encurtar a história, consegui um Wifi grátis do aeroporto, encaminhei o email para a minha conta do Gmail e imprimi esta mensagem do Gmail pela máquina do agente. Nesse meio tempo, ele tirou uma cópia do meu passaporte e do bilhete de embarque. Mas entre conseguir e imprimir o email, o agente sumiu! Fiquei um 15 minutos desesperado, berrando, atrás do rapaz que, ainda por cima, estava com meu passaporte e bilhete. E isso já era 20:05, hora marcada para embarcar! Quando ele apareceu, notou meu desespero e nem contou o dinheiro que eu mostrava para ele. Preencheu um formulário online, me deu uma cópia e me liberou. Às 20:15 corri até o carrinho elétrico para atravessar de volta do Terminal 1 para o Terminal 2. Sai correndo, de mochila nas costas e outra abraçada (quebrada, lembra?) bufando, suando e morrendo de raiva da vida, do universo e de quem projetou uma sala de embarque tão longe.

Procedimento padrão, raio-X, tira laptop da mochila (os 3), coloca laptop na mochila com zíper quebrado (os 3 de novo) e outro agente da PF para mostrar o passaporte. Nesse parte, avistei a funcionária da AirCanada, que havia feito nosso checkin, desesperada do outro lado, dizendo para eu correr que iam encerrar o embarque. Ela saiu correndo na frente, eu atrás e só tive forças para perguntar se minha esposa tinha conseguido embarcar, como se fosse uma fuga de alguma prisão ou invasão! Esqueci de falar que nessa correria, entre chegar à sala de embarque e correr de novo até o portão do voo, repeti umas mil vezes que não aguentada mais, que ia desistir, que qualquer livro de auto-ajuda ou mesmo Paulo Coelho recriminam! Consegui chegar ao portão arfando como um cachorro no deserto, completamente suado e com três funcionários da AirCanada me esperando. Minha esposa, com cara de espanto, me perguntava o que tinha acontecido, mas eu não conseguia responder. Só falava para ela não me perguntar nada! Os funcionários tentavam me acalmar, dizendo que estava tudo certo e que eu já havia conseguido. Óbvio que fomos os últimos a entrar no avião. A cara dos outros passageiros mostrava que meu estado não era muito bom. Todo suado, correndo, arfando… Quando sentei no meu assento, fiquei um 10 minutos sem falar nada, de cabeça baixa, tentando entender o que aconteceu.

No avião, minha esposa disse que já estavam cogitando retirar nossa bagagem despachada da aeronave. Quando um funcionário começou a dizer o número das malas para serem retiradas, ela me viu chegando correndo e avisou o pessoal. Como diria Galvão Bueno, chegamos ao “limite extremo”!

Esse relato não mostra nem 1% do desespero que passei. Fiquei morrendo de medo de ter alguma coisa física, um ataque cardíaco, pico de pressão, AVC, não sei. Só sei que embarcamos!

Não deu tempo de falar com meu irmão, meus amigos de SP, meu compadre a quem jurei que ligaria… Peço desculpas a todos.

Estou escrevendo essas linhas durante o voo. São quase 5 da manhã, horário de Brasília, e ainda faltam mais de mil milhas de voo até Toronto, onde vamos fazer uma escala antes de voar até Edmonton. É uma forma de relaxar, desabafar e também refletir sobre o que aconteceu nestes últimos 2 dias. Também não sei o que me espera nesses próximos 4 anos. Sei que fazer um Doutorado não é fácil. Em outro país, em outra língua então, será mais difícil ainda. Mas o que passei hoje serviu de aquecimento. A preocupação imediata é buscar meu cachorro na sexta-feira no aeroporto. Aí sim a família estará completa e a vida no Canadá começa de verdade! Uma nova vida que se inicia a partir dessa viagem!

Olha a quantidade de malas...
Olha a quantidade de malas…

6 comentários sobre “Canadá – dia #0 – O dia da Viagem

  1. Viu como o exame médico funciona, malagradecido? Sei não, mas acho que no Canadá não tem maracujá….
    PS:Vcs estão com mais bagagens que agente, com 5 pessoas na família!
    Suerte, criaturas!!!

    1. Fala velhinho! Mas vc não teve que desmontar uma casa inteira. Deixou a sua bonitinha no RJ. Assim até eu! Abraço!!!

  2. Cansei por você!
    Estou bufando aqui lendo esse relato maluco!
    Isso tirando a quantidade de “amigos” que você arrumou nesse processo todo do doutorado! hahhaha! SUCESSO!

  3. George, que saga. Tanto perrengue neste dia 4. Eu nem consegui me despedir de você… Que vcs tenham uma ótima estadia em Edmonton e não esquece do meu quarto que vou aí kkkkkkkkkkk

  4. Uau! Ri, chorei (com o relato da despedida do Mustache) e me recordei de situações similares por as quais passei. Mas o que é a vida sem aventura? Adrenalina não rola só nos esportes radicais! KKKKK.

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